terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

BODAS DE OURO SACERDOTAL

BODAS DE OURO SACERDOTAL   
 DIÁLETICA DE UMA VIDA !
UM REPTO AO 
CELIBATO OBRIGATÓRIO !  

Padre Almir Simões
Primeiro filho de Ibicaraí a se ordenar Padre.

   22/12/1967   22/12/2017

    Foi um acontecimento impar e marcante na minha vida e também na cidade de Ibicaraí – Bahia.  Cinquenta anos se passaram ! Esta  data não poderia ficar em branco.  O catecismo católico ensina que  o sacramento da Ordem imprime caráter indelével  e o  canto de entrada na  igreja foi o Salmo 109 do rei Davi : “ Tu es sacerdos in aeternum ”. Emocionante o ritual litúrgico e a festa preparada pelo saudoso Pe. Sinval Medeiros no templo ainda sendo reformado. A ordenação  sacerdotal representou para mim a culminância de 14 anos de estudos propedêuticos,  filosóficos e teológicos  na busca de um sonho que se chama vocação. E eu tive uma graça especial : estudar no período do Concilio Vaticano II e do Santo João XXIII.  Isto é inesquecível e fez a diferença. Sou grato a Deus pelas oportunidades e bênçãos recebidas , pelos princípios e valores internalizados , por todos os passos dados,   por todas as pessoas que foram colocadas no meu caminho ...  Valeu a pena !

                

Ordenação do Padre Almir Simões
                                 
     A prostação diante do altar não significou que o jovem  sacerdote morreu para o mundo nem para si mesmo, mas  quanto mais terra à terra, quanto mais identificado às causas humanas , ele se consagra a Deus.   amor a Deus não exclui o amor humano ...  O bio–psico–social–cósmico-espiritual,  numa pessoa humana, são indissociáveis e importantes para  a completude do ser, o equilíbrio emocional,  a vivência da oração , a paz do espírito. 

     Após os primeiros anos de atividades pastorais senti  que  não poderia ser uma pessoa diferente para exercer a minha missão nem transformar o meu sacerdócio num sentimento de culpa ou uma autopunição. O  meu ardor e zelo à causa do Evangelho, a força motivadora que recebia da comunidade, as orações e sacrifícios , não arrefeceram  a solidão afetiva. Comecei a me autoquestionar. A vocação ao sacerdócio não é um chamamento para se viver sufocado dentro de uma instituição. O celibato é um carisma – um dom divino extraordinário – que equivocadamente a igreja o transformou numa norma disciplinar obrigatória  e afugentou muitas vocações ao sacerdócio.   Jesus asseverou :  “ O meu jugo é suave e o meu fardo leve - Mt 11:28 ” e  Liev Tolstoi, escreve com muita propriedade  no seu livro   o Reino de Deus está em Vós –  que a instituição eclesiástica   com o seu moralismo , desfigurou o cristianismo  primitivo e original.  Nas primeiras comunidades cristãs, sem direito canônico e sem dogmas, vivia-se a  autenticidade e a pureza do Evangelho...

O sacramento matrimonial do Pe. Almir Simões

     O sacramento da Ordem e o sacramento do matrimônio não são incompatíveis entre si. Pedro era casado e  Paulo admoesta:  “É melhor se casar do que se abrasar”...  Deus chama ...  a hierarquia da igreja infelizmente afugenta ... e os fieis não cessam de cantar e rezar : “ Enviai Senhor operários para a vossa messe pois a messe é grande e poucos os operários ”. Não seria esta oração uma  blasfêmia, um insulto à divindade ?  São as contradições internas, humanas e institucionais , os penduricalhos herdados de Constantino  à partir do séc. III , que ainda resistem e são responsáveis pelo grande êxodo das vocações sacerdotais. No Brasil, calcula-se que 8 mil padres  deixaram o ministério e em toda a igreja, no mundo,  150 mil... Será que todos eles não tiveram vocação ?  Discute-se  hoje  a formação dos padres para o momento atual mas não pode se esquecer do seu estilo de vida. As normas ainda em vigor são dos Concílios de Niceia ( 325 ) e de Trento ( 1542 ).
     Em 1969  D. Frei Caetano, saudosa memória, o bispo de Ilhéus que me ordenou ,  sensível  às necessidades dos seus sacerdotes, pediu-me que fosse a Belmonte visitar o padre João Clímaco para se inteirar da sua situação de saúde e das necessidades pastorais. Imaginei que se tratasse apenas de uma prestação de serviço, no mínimo, uma caridade cristã,  mas Deus vai redirecionando a nossa vida e falando através de  fatos e acontecimentos. Lá fui eu. Encontrei-me com um padre velhinho, morando sozinho, à frente daquela comunidade paroquial  N. Sa. do Carmo, há quase 40 anos. Sentia muitas dores e com dificuldade vestia a batina por conta de uma erisipela terrível. Rezava todas as orações da missa em latim  pois já sabia decoradas.  Não aceitou que eu celebrasse a missa em seu lugar pois incorporava o sacrifício da sua vida à oferenda da ceia eucarística.  Ficar sem celebrar só se estivesse acamado.  

     Apesar da idade avançada e da doença o Pe. João Clímaco era um carioca bem humorado,  lúcido,  acolhedor , que gostava de contar causos e umas piadinhas inteligentes. Cativou-me e criamos afinidades. Com ele abri o meu coração. Ele desabafou as suas mágoas e eu simplesmente ouvi o inusitado, o insight que estava necessitando :  “ Meu filho, você  é jovem e pode ainda redesenhar a sua vida ... ajudei a criar e formar dois meninos pobres que se fossem realmente meus filhos não estaria nesta situação ...” Isto me doeu na alma.  Vi naquela figura sofrida e sensata, como se estivesse diante de um espelho, o meu alter-ego.
     A viagem de volta para a minha comunidade paroquial em Itabuna  dirigindo, solitário , um fusquinha, pareceu-me  longa  demais ... alternavam  cenários na minha mente e da compaixão brotou-me uma luz.    felicidade e a santidade, vocação última de todas as pessoas, exigem que  haja sinceridade e humildade para aceitar as próprias limitações e fragilidades e também coragem para tomar decisões. Podemos aprender com a experiência e a sabedoria dos mais velhos.

     Em 1971 dialoguei com meu novo bispo  D. Valfredo Tepe ... e prevaleceu a minha vontade. Expus ao Vaticano – Congregação da  Doutrina da Fé - argumentos  para iniciar um processo de laicização.  Confortou-me o que aprendi com o mons. Roxo nas  aulas   de Teologia na Faculdade em São Paulo : “ A graça divina supõe a natureza, não a sobrepõe,  nem a violenta,  nem a destrói ”. É como se fosse os raios do sol perpassando por entre as nuvens  carregadas da minha vida. Tudo se resolveria no âmbito da minha consciência, sacrário vivo onde só Deus penetra ( Gaudium et Spes, 16 ).
     Em 1974 o papa Paulo VI concedeu-me a licença pra contrair matrimônio. Muda-se o estilo de vida,  supera-se a solidão afetiva, mas não se perde a essência de si mesmo nem a unção sacramental. É interessante observar nas fotos da ordenação  que o celebrante ungiu  e amarrou as minhas mãos mas em seguida a minha mãe desamarrou-as.  Elas continuarão para sempre ungidas e libertas.
                                   
Pe. Almir Simões e família
     Vivo hoje o sacerdócio numa dimensão familiar, a igreja doméstica, com esposa, filhas e netos, motivo  especial  de dignidade e ação de graças.  A vocação é dinâmica e libertadora.  Santo Agostinho a define de forma extraordinária :  “ Ama e fazes o que quiseres ”...

     O papa Francisco tem dado sinais de compreensão e abertura aos desafios pastorais  e eclesiásticos mantendo uma  postura anti-discriminatória. Em meio às muitas resistências que sofre , continua rompendo algumas tradições. Surpreendeu visitando na  periferia de Roma  uma família de padre casado e lavando os pés de dois jovens muçulmanos  em cerimônia de uma semana santa.  Na  Amoris Leticia (p 125 / n 204) afirma que  “ a paróquia é a família das famílias ”,  ressalta que  “ os ministros ordenados carecem de formação adequada para tratar dos complexos problemas atuais das famílias ”,   e completa dizendo  que  “ pode ser útil  também a experiência da longa tradição oriental dos padres casados ”.  Convém salientar que o nosso querido papa Francisco tem sobre seus ombros uma estrutura pesada de mais de 16 séculos. Muito bem disse Frei Beto : “ Ele é uma cabeça aberta num corpo fechado”.


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